Cabe às secretarias estaduais de Meio Ambiente parte dos processos de licenciamento ambiental feitos pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. A decisão recente foi tomada pelo Governo Federal com objetivo de que o Ibama se concentre nos empreendimentos de infraestrutura de grande impacto e complexidade sociais e ambientais.
A decisão foi discutida com representantes dos principais ministérios ligados ao setor de infraestrutura como Minas e Energia e Transportes. O Governo regulamentará a Lei Complementar 140, publicada no ano de 2011 e que ainda não é válida. O projeto visa dar mais rapidez aos licenciamentos e adiantar as análises de impacto ambiental, bem como evitar a judicialização de projetos. A lei foi elaborada com o apoio de um grupo de representantes de secretarias ambientais de todos os Estados do País. A regulamentação espera evitar questionamentos.
Com a lei regulamentada será possível dizer se o Ibama continuará a atuar com o licenciamento de uma duplicação de estrada, como também indicará se uma eventual extensão de uma rodovia poderá ser licenciada por uma secretaria estadual. As mudanças também estão previstas para o setor elétrico, por exemplo, se sua geração de megawatts de uma usina hidrelétrica for baixa, ela pode ter sua autorização ambiental permitida pelo Estado, no lugar do Ibama, que atua em casos em que o rio afetado pela obra corta dois Estados.
O promotor de justiça do Meio Ambiente no Estado de Sergipe e professor de Direito Ambiental, Sandro Luiz da Costa explica que o licenciamento ambiental é uma espécie de controle prévio estatal de atividades econômicas, que visa compatibilizar as atividades com o respeito ao meio ambiente, sendo ecologicamente equilibradas. “O licenciamento ambiental visa o controle preventivo de atividades humanas potencialmente poluentes. É importante ressaltar que para a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, poluição é a degradação ambiental (alteração negativa da qualidade do meio ambiente) causada por qualquer atividade humana, seja por pessoa física ou jurídica”, afirma.
Como exceção, o licenciamento pode ter um trâmite mais simplificado ou diferenciado. Isto normalmente ocorre através de resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), ou outro órgão normativo do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) dos demais entes federativos. Como exemplos podem ser citados os licenciamentos de aterros sanitários de pequeno porte (Resolução Conama 404/2008), assentamentos de reforma agrária (Res. Conama 387/2006), aquicultura (Res. Conama 413/2009), construção de habitações de Interesse Social (Res. Conama 412/2009), sistemas de esgotamento sanitário de pequeno e médio porte (Res. Conama 377/2006), cemitérios (Res. Conama 335/2003), postos de combustíveis (Res. Conama 273/2000), atividades relacionadas à exploração e lavra de jazidas de combustíveis líquidos e gás natural (Res. Conama 23/1994) e coprocessamento de resíduos em atividades de produção de cimento (Res. Conama 264/1999).
Licença prévia
Na fase da licença prévia são apresentados estudos ambientais pelo empreendedor ao órgão ambiental, responsável pelo licenciamento. Para empreendimentos que possam causar significativa poluição, como por exemplo, a construção de uma hidrelétrica de grande porte, a própria Constituição Federal de 1988 exige que seja efetivado o estudo prévio de impacto ambiental e seu respectivo relatório, EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e RIMA (Relatório de Impacto Ambiental).
“Este é um dos estudos mais complexos e, portanto, mais onerosos para o empreendedor, sendo seus requisitos e elementos mínimos, definidos na Resolução CONAMA 01/1986, que traz também um rol exemplificativo de atividades nas quais é exigido o referido estudo. Ao órgão ambiental licenciador é que cabe como regra, em cada caso concreto exigir este ou outros estudos ambientais na referida etapa. É importante ressaltar que em empreendimentos em que há EIA/RIMA o empreendedor é obrigado a pagar compensação ambiental prevista no artigo 36 da Lei 9.985/2.000, fixada com base no custo total de implantação do empreendimento e no grau de impacto ambiental avaliado. O que diferencia o procedimento de licenciamento ambiental de pequenos e grandes empreendimentos é a sua complexidade e o seu custo”, destaca Costa.
Ele acrescenta que, em relação às mudanças de competência para o licenciamento ambiental, é importante observar que o SISNAMA tem como órgão executor em âmbito Federal o Ibama e o Instituto Chico Mendes, sendo os licenciamentos federais de responsabilidade do primeiro. “Nos Estados existem órgãos executores e nos municípios também deveriam existir para que esta rede de proteção ambiental fosse mais eficiente. Uma das funções dos órgãos executores é o licenciamento ambiental, que, nos termos da Constituição Federal (art. 23), seria uma competência comum de todos os entes federativos. Isto gerava diversos conflitos, insegurança jurídica e um custo alto do licenciamento porque o empreendedor se via, às vezes, a licenciar em diversos níveis (municipal, estadual ou federal). O CONAMA editou a Resolução 237/1997 exatamente para instituir um licenciamento em um único nível, no entanto, extrapolou sua atividade, uma vez que somente uma Lei Complementar poderia fazê-lo, sendo inconstitucional neste ponto a norma que ainda regula o licenciamento ambiental no Brasil em outros aspectos”, analisa.
Como o SISNAMA é uma rede de proteção ao meio ambiente, diante da estrutura federativa e continental do Brasil, não somente os Estados, mas também os municípios têm que atuar na proteção e defesa do meio ambiente, e assim, controlar dentro de suas atribuições o licenciamento ambiental. De outro lado, os Estados e, principalmente, os municípios ainda não estão estruturados para esse tipo de tarefa, sendo necessário buscar meios de efetivação do Sistema Nacional do Meio Ambiente para a execução da política nacional de proteção do meio ambiente.
“Isso depende mais da vontade política do que de qualquer outra medida, já que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente tem mais de 30 anos e já previa a estruturação do SISNAMA. Em Sergipe apenas dois municípios iniciaram o processo de licenciamento municipal, e a ADEMA (Administração Estadual do Meio Ambiente), órgão licenciador estadual, criado em 1978, nunca fez um concurso em sua história, sendo tal fato objeto de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual”, elucida o promotor de justiça e professor, Sandro Luiz da Costa.
No que tange à fiscalização, todos os órgãos executores do SISNAMA e entes federativos devem atuar na defesa do meio ambiente. A Lei Complementar não deve ser interpretada como obstáculo à fiscalização por qualquer um dos entes federativos de infrações ao meio ambiente, cabendo, no entanto, a aplicação de multa apenas pelo órgão que tenha competência também licenciatória para o caso, a fim de se evitar a duplicidade de multa pelo mesmo fato.
Estudos geológico-geotécnicos
Todas as grandes obras de engenharia envolvem desafios geotécnicos e geralmente apresentam também questões importantes a tratar em relação ao meio físico, no âmbito dos estudos prévios de impacto ambiental. Isso pode ser notado em propostas de novas rodovias, ferrovias, usinas hidrelétricas, túneis, metrôs, linhas de transmissão, oleodutos, gasodutos, portos entre outros tipos.
O licenciamento ambiental, conforme preconiza a legislação vigente, é um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos que utilizam recursos ambientais e que podem poluir ou gerar impactos ambientais negativos. Portanto, o modo pelo qual será realizado depende de duas variáveis básicas: o tipo de empreendimento e o ambiente de interesse.
Em alguns casos em que o tipo de obra e sua localização não são motivos de preocupações, eles podem ser licenciados e controlados por procedimentos administrativos simplificados, enquanto outros, como as grandes obras de engenharia, que, por serem mais complexas e geralmente situadas em áreas ambientalmente relevantes, exigem procedimentos mais detalhados, incluindo a realização do processo AIA (Avaliação de Impacto Ambiental). Nesse âmbito, vale destacar que o licenciamento ambiental pode então ser realizado sem ou com a AIA.
O geólogo e pesquisador do CTGeo (Centro de Tecnologias Geoambientais) do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), Omar Yazbek Bitar, diz que em relação aos estudos de engenharia, que incluem o anteprojeto ou projeto conceitual, projeto básico, projeto executivo e outros, os estudos geológico-geotécnicos requeridos se relacionam principalmente com o desafio de prever o comportamento da interação obra-meio físico, com a finalidade de garantir a execução de uma obra segura, operacional e tecnicamente adequada.
Sob o ponto de vista da viabilidade ambiental, procurando também prever a interação obra-meio físico, a preocupação maior reside em avaliar as consequências futuras adversas em relação ao ambiente. Embora com enfoques, abordagens e ferramentas distintas, os estudos geológico-geotécnicos requeridos nas duas frentes de aplicação contemplam essencialmente o mesmo objeto de análise (a interação obra-meio físico), o que ressalta a importância da integração dos estudos geológico-geotécnicos realizados nas duas frentes.
“Um exemplo disso está nas obras de terraplenagem, que devem ser projetadas levando em consideração a não geração de impactos. Ocorre, contudo, que ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois muitas vezes o que se observa é um distanciamento, em um mesmo empreendimento, entre as equipes geotécnicas encarregadas dos projetos de engenharia e aquelas responsáveis pelo meio físico nos EIA/RIMA. Uma maneira de melhorar isso talvez esteja em promover uma integração maior entre essas equipes durante a realização dos estudos prévios”, ressalta Bitar.
As normas que regulam o processo de AIA pressupõem a consideração do meio físico entre os fatores de decisão, o que evidencia a potencial contribuição do conhecimento geológico-geotécnico nos estudos prévios de impacto ambiental. Para uma mesma obra de engenharia, hoje claramente é diferenciada a demanda crescente por estudos geológico-geotécnicos, em duas frentes básicas de aplicação. Uma visando atestar a viabilidade técnica dos projetos de engenharia e subsidiar a construção e operação de empreendimentos (que deve abordar também os aspectos ambientais), e outra de modo a equacionar os impactos ambientais decorrentes dessa construção e operação, assim como demonstrar a viabilidade ambiental do empreendimento. Essas duas frentes tendem a gerar informações e dados úteis.
Bitar finaliza falando sobre a importância de um licenciamento ambiental. “Esse meio é um instrumento necessário, considerando as situações em que se requer a realização do processo de AIA, como no caso de grandes obras, conforme adotado hoje na maior parte dos países em todos os continentes é uma oportunidade imprescindível para que possam ser identificadas e discutidas antecipadamente, com maior transparência e participação pública, as prováveis consequências futuras de um projeto proposto, subsidiando a tomada de decisão acerca de sua execução”.
Ele acrescenta que não há outro contexto em que isso possa ser feito hoje de modo sistematizado, envolvendo tanto as comunidades potencialmente afetadas quanto a sociedade de uma maneira geral. Alguns problemas e dificuldades na execução prática desses procedimentos serão encontrados, mas isso deve ser enfrentado e melhorado continuamente. Além disso, a AIA pode auxiliar na inclusão da dimensão ambiental ao projeto de engenharia, bem como na definição de medidas mitigadoras dos principais impactos previstos e na geração de diretrizes para a gestão ambiental das fases de instalação e operação.
Fonte: Rudder Editora